domingo, 12 de junho de 2011

Regulação, Burocracia e Corrupção

A relação entre estas 3 variáveis está amplamente estudada nos meios académicos.

Ao ler a literatura é obvio que um excesso de regulação associado a um excesso de burocracia, conduz inevitavelmente a corrupção.

No entanto, em alguns estudos recentes que li, há um aspecto que considero merecer reflexão no nosso Portugal: a relação entre regulação, nivel de educação e desenvolvimento económico.

Muitos estudos consideram que para um certo nível de desenvolvimento económico e educação da população, há também um nível adequado de regulação. Se ultrapassamos esse nível, criamos condições para uma burocratização exagerada, que no final contribui para um aumento da corrupção.

De forma simples: quem quer controlar tudo, acaba por não controlar nada.

Comparando com as empresas. Um determinado gestor quer saber tudo o que acontece a todo o momento em todo o lado. Face à omnipresença ser uma impossibilidade, também este desejo se revela uma utopia.

Na gestão, o trabalho está em equilibrar o esforço com o ganho: o ganho que tenho em controlar uma determinada variável tem que ser superior ao custo de controlar essa variável. Assim, é pressuposto no trabalho da gestão, que há sempre um deteminado nível de descontrolo na vida da empresa, mas que em muitos casos acaba por ser o espaço onde surge a criatividade e reinvenção do próprio negócio.

De facto, ter mais informação e controlo é um bom objectivo. Mas há um ponto a partir do qual nos começamos a enganar a nós próprios, pois os metodos de recolha, tratamento e divulgação da informação, têm um custo tal, que ou caminhamos para a ruina financeira, ou a qualidade dessa informação começa a ser de tal modo má, que apenas nos induz em erro a um ponto tal, que tomariamos melhores decisões sem essa informação errada para nos enganar.

Esta deveria também ser a analise realizada constantemente num país. Avaliar, face à dimensão e "maturidade" do país, qual o nível de controlo e regulação em que os ganhos superam os custos.

Fiz um trabalho no passado para uma multinacional que se baseava na seguinte pergunta: será que o organigrama, processos e funções idealizados para os grandes países europeus se podem aplicar de igual modo nos pequenos? A pergunta baseava-se na experiência de mais de 40 países que integram as regiões da Europa, Médio Oriente e Africa. A resposta foi unânime: não!

E daí surgiu a segunda pergunta, já um pouco mais dificil de responder: como decidir que parte do modelo desenhado nos grandes países, pode e deve ser implementado nos pequenos?

O resultado surgiu do diálogo e colaboração de países tão distintos como Portugal, Bélgica, Austria ou Noruega.

A conclusão de todos era que por uma questão de escala, era impensável implementar tudo o que se pensa num grande país como a Alemanha ou Reino Unido, num destes pequenos países. Não só era inviável por não existirem pessoas em quantidade suficiente, como também por se tornar economicamente inviável a escala que tal implementação obrigaria.

Isto levou à construção de um modelo "dimensão vs maturidade", em que eram avaliadas um conjunto de variáveis relevantes que ajudavam a decidir o que fazia sentido implementar. As variáveis eram tão simples como: dimensão financeira da área a avaliar, nível de formação dos responsaveis pela implementação, peso do trabalho individual no processo, potencial de ganhos em termos de taxa de penetração no mercado, etc. Esta análise levava a que cada país identificasse um conjunto de áreas em que reunia condições excepcionais para fazer um bom trabalho, tornando-se um centro de excelencia para auxiliar os outros, conseguindo pela sua maturidade alcançar uma escala muito para além da sua dimensão.

Numa empresa este tipo de análise é obvia: deriva de uma avaliação simples de custo/beneficio.

Infelizmente, este tipo de análises nas organizações internacionais a que os países se filiam, ou até nos governos dos próprios países, são muito raras.

Isto porque infelizmente, temos pessoas muitas vezes mais preocupadas com o seu bem do que com o bem comum. Exemplo: um director de departamento que tem tanto mais peso na administração pública, quanto mais pessoas tiver para gerir, quando mais metros quadrados de escritorios controlar, e quando maior for o seu orçamento. Se estas são as variáveis de avaliação da sua importância, é muito facil este departamento começar a criar regras que o único resultado prático que produzem é complicar o seu próprio trabalho, conduzindo a um aumento das necessidades de pessoas, de metros quadrados de escritórios e em consequência das suas necessidades orçamentais.

Em Portugal sofremos de um excesso de regulação. Temos um volume de regras absurdo para a nossa dimensão (desenvolvimento económico) e maturidade (nível educacional). Isto conduz à criação de processos e formularios que se empatam uns aos outros, que se tornam tão complexos e dificeis de entender, que criam oportunidades de negócio para empresas especializadas em gerir estes processos, o que por sua vez, gera corrupção, quer por parte dos funcionários públicos que se ofereçem para ajudar a simplificar a vida a quem cai nesta malha, quer para as empresas que "aproveitam" estas oportunidades de negócio, fazendo algo muito semelhante ao que os "seguranças privados" ofereciam aos bares (ver noticias recentes de corrupção na policia).

As regras são tantas e tão entrelacadas, que só coheçê-las já representam um custo insustentável para uma pequena empresa. Sendo o papel do pequeno ou micro empresário dinamizar um determinado modelo de negócio, ele não é especializado em leis ou regulação. Para dormir descansado, terá que pagar a alguém (um advogado ou uma empresa de consultoria) para estar constantemente a descobrir que novas normas se lhe aplicam, e constantemente a gastar dinheiro para se adaptar.

Isto contribui para situações tão absurdas como:
   - uma empresa bem "ligada", que conheça os meandros da burocracia publica, pode fechar concorrentes por denuncias de não cumprimento de certas regras que implicam multas de dezenas de milhares de euros;
   - ou pode conseguir "legalizar-se" de forma muito "mais barata" que a maioria dos concorrentes, quer seja pelo simples não cumprimento das regras pelo conhecimento "profundo" dos mecanismos de fiscalização", quer seja pelo cumprimento por acessoria de "amigos especiais" a que um concorrente normal (não tão ligado" simplesmente não tem acesso;
   - ou pode simplesmente ir existindo nas fronteiras da legalidade pela confiança na impossibilidade do estado em fiscalizar tudo aquilo que exige.

Alguém me dizia um dia: as organizações têm que ter o cuidado de não se transformarem numa daquelas senhoras que ficam tão grandes, que certo dia necessitarão de pagar alguém para lhes dizer se estão com comixão no dedo mindinho do pé...

Os estudos dizem também que após atingir um determinado volume de regulação, a redução desse volume só por si não significa uma redução da burocracia.

Daí, a minha sugestão de caminho, baseia-se numa outra frase que um dia ouvi: "um bom consultor difirencia-se dos restantes pela sua capacidade de tornar simples aos olhos do cidadão comum aquilo que a maioria considera complexo e dificil de compreender".

Esta deveria ser a métrica de avaliação da evolução das políticas e processos públicos com vista à construção de uma sociedade menos burocrática e menos corrupta: simplicicar, desmistificar os processos e as regras.

Aqui, os sistemas de informação têm um papel fundamental. Estes podem evitar repetições, e sedimentar conhecimentos e aprendisagens.

Tornando transparentes e simples os processos, aumentando o grau de automação online, construindo "wizards" e "online helps" escritos em "linguagem para criança de 6 anos entender", os sistemas de informação acabam por ser um investimento, um dinheiro gasto que trás beneficios a médio-longo prazo, e que retiram trabalho e ganhos aos burocratas e corruptos... isto claro, desde que sejam desenhados e implementados pelos "bons consultores", e guiados pelos principios da simplificação, desburocratização e transparencia dos processos.

Tudo isto traria um ganho adicional: libertar recursos na administração para a investigação, e inclusive tornar mais simples e transparente os processos de investigação.

Mas o facto actual é que Portugal é um país com um nível de desenvolvimento económico medíocre (notável poe exemplo na assimetria de rendimentos entre mais ricos e mais pobres típico de países sub-desenvolvidos), com um baixo nível educacional da população (explícito por exemplo nas taxas de penetração das artes e dos níveis de aquisição de livros), com um nível de regulação excessivo para a sua dimensão e maturidade, com um nivel de burocracia publica ainda a um nivel assustador, e com niveis de corrupção, entre os servidores publicos é certo, mas mais ainda entre as entidades privadas (tendencialmente monopolistas).

Só com uma liderança política séria, ética e transparente, efectivamente orientada pelo bem comum, é possível reverter esta situação.

Sugiro também a leitura do meu post Portugal, um país sem justiça, pois sem um sistema de justiça funcional (rápido e consistente), dificilmente a situação se inverterá.

Como conclusão, exemplo de regulamentações, mudanças inesperadas de regulamentação, burocracias e corrupção com que já tive que lidar:
   - legislação de tratamento de residuos: temos que pagar a alguem para recolher, temos que escolher uma entidade de recolha certificada, temos que nos registar na entidade publica responsavel, temos que pagar as taxas desta entidade, e temos que implementar o processo de recolha de acordo com a legislação (sabem que por exemplo a recolha de pensos higienicos em casas de banho se enquadra nesta legislação??? Quantas empresas deitam estes "residuos" ao lixo misturados no lixo comum??? Ou seja, se houver alguém danado para vos tramar, e não tiverem no vosso micro-comercio um sistema de recolha, podem levar com multas substanciais.... Será que todos os nossos parceiros europeus são assim tão rigorosos???)
   - legislação de protecção ambiental: deixar um carro velho estacionado num paque de terra batida é uma violação ambiental. Por isso, qualquer empresa que movimente ou armazene materiais passiveis de se infiltrar nos terrenos, deveria ter um sistema de protecção dos solos e recolha/tratamento de águas. (sabem que isto se aplica a uma pequena oficina de serralharia??? um profissional independente que trabalhe na sua garagem para sobreviver arrisca multas brutais por causa do risco de contaminação! Por isso é melhor que ele fique no desemprego a receber subsidios do estado e provavelmente a trabalhar em biscates à margem da lei, do que tenham um pequeno negocio. Ou no caso de uma pequena empresa, é melhor que mande os seus funcionários para o desemprego, e sepois esses trabalhos sejam fornecidos por empresas espanholas que não têm fiscais ambientais em cima delas por não terem protegido o chão de todas as areas exteriores da sua "unidade fabril" contra a infiltração das ferrugens?!?!?!?!
   - legislação do audiovisual: sabem que têm que se registar em duas entidades para pagarem licenças sobre utilização do audiovisual? A dos autores e dos artistas. E se porventura apenas descobrirem isso algum tempo depois de terem aberto o vosso pequeno comercio, ou pagam tudo o que deveria ter sido pago no passado ou levam uma grande multa. Ou entao fazem como a grande maioria dos negocios: não se registam e nao pagam nada, porque na generalidade os fiscais vão aqueles que se registaram, e so vao a outros de houver uma denuncia.
   - sabem que existe um regime simplificado para o licenciamento camarario? Mas que cabe as camaras municipais definir quais os aspectos que impetem um licenciamento de seguir o processo simplificado? E sabem que muitas camaras por exemplo obrigam ao processo normal (que nos ultimos anos tornaram ainda mais complicado) só por se alterar a localização de um esgoto (por exemplo por fazerem um "restyling" na casa de banho?!?!), e que se acharem que só modificar uma casa de banho não justifica, se arriscam a ser visitados por um fiscal muito mau que vos vai embrulhar a vida até ao absurdo?
   - e sabem que se entrarem no regime normal de licenciamento camarario, arriscam-se ao absurdo de enquanto as burocracias da camara não despacharem o vosso processo, a que essa mesma camara crie novas obrigações para o vosso processo, e se vejam obrigado a andar a fazer novos "projectos" que entretanto passaram a ser necessarios ao abrigo do "novo regulamento", e que a dispensa dos mesmos depende da aprovação do "Sr. Director X" que não vos conheçe, e como não contrataram a empresa X para tratar do processo, têm que preencher o formulario Y, pagar a multa Z, esperar mais 1 ano, no qual apareçe uma nova regra...... mesmo no momento em que estavam quase a conseguir a dispensa do tal novo projecto?!?!?! Um exemplo deste absurdo, é ser obrigatório a execução de um projecto de segurança em obra, para uma obra já concluida à mais de 2 anos....
   - e sabem que o licenciamento de equipamentos de raio-x foi modificado, exigindo por exemplo coisas tão interessantes como um serviço de dosimetria (são aqueles aparelhinhos que temos que levar no bolso quando visitamos um reactor nuclear e que mede o nivel de radiação a que fomos expostos), um serviço de medição de permeabilidade magnética nas paredes (para verificar que - por exemplo - num consultorio dentário, ao fazerem um raio-x ao seu dente, não contaminam o visinho), colocação de sinalética de aviso para que as pessoas saibam que podem estar expostas a radiações? E que agarrado a isto surgiram um montão de empresas que custam uns milhares de euros??? Eu na minha ignorancia acharia mais simples, por exemplo no caso dos consultorios dentarios, regular a actividade dos vendedores e instaladores deste tipo de equipamentos, e atraves do normal processo de manutenção que todos os equipamentos têm, verificar o seu correcto funcionamento. E tambem aqui, há os milhares que funcionam sem qualquer controlo... que se ninguem sabe que existem, ninguem controla.... a não ser que façam um grande inimigo que os denuncie... mas mesmo assim, não há a certeza de que não tenham um amigo que faça o processo desaparecer...
   - E sabem que se tiverem um sistema informatico de facturação, mas em que armazenem informação pessoal dos vossos clientes têm a obrigação legal de registar a base de dados na Comissão Nacional de Protecção de Dados???
   - E conhecem todas as obrigações de comunicação a ministérios das vossas actividades (ACT, finanças, segurança social, etc), e sabem que multas estão sujeitos de não cumprirem ou se atrazarem um dia???

Bem, eu podia estar aqui a tarde toda a descrever os absurdos do nosso sistema publico, mas o ponto é: acham que uma micro-empresa, com 5 ou 6 funcionários, com uma facturação anual que mal para um salário decente aos seus proprietários tem condições de saber tudo isto, de cumprir todas estas regras, ou de pagar alguém informado o suficiente sobre tudo isto para o proteger de riscos legais?

O que acaba por acontecer é que o sistema premeia o incumpridor, o esperto.

Pela impossibilidade material de cumprir, a realidade é:
   - uns, que querem dormir descansados e cumprir todas as regras, incorrem em custos constantes e de tal maneira honerosos, que acabarm por se afundar perante a incapacidade de competir no mercado com essa estrutura de custos;
   - outros simplesmente nem abrem para não ter problemas. É que a complicação é tão grande, com tantas regras e com tantas responsabilidades e multas, que meter-se nisto é arriscar acabar com a vida. E assim, se mada a livre iniciativa, o empreendedorismo e a possibilidade de pelo mérito pessoal melhorar de vida;
   - outros simplesmente ignoram estes aspectos e vivem felizes até ao dia em que são fiscalizados;
   - e por último, temos os outros que intencionalmente incumprem, evitando grandes investimentos ou compromissos de medio-longo prazo, sujeitando-se ou a sendo fiscalizados pagar a multa, ou simplesmente fechar e abrir noutro sitio, pois em muitas actividades isto é mais barato que cumprir.

É inaceitável este estado de coisas, e a realidade, no contexto das micro e pequenas empresas noutros países da união europeia, é muito mais tolerante.

Não só fomos demasiado bons alunos a importar demasiadas regras da europa demasiado depresa, como também fomos demasiado bons alunos a generalizar regras independentemente da dimensão e maturidade dos sectores de actividade. E assim, por um outro meio, ajudámos a "congelar" a nossa economia.

E assim, termino com o meu desabafo de micro-empresário saturado deste sistema que vive mais para dificultar, do que para ajudar, em que o sistema publico fica mais feliz por conseguir tramar alguém do que em ajudar alguém a ter sucesso e progredir.

É um problema de mentalidade! Existem excepções? Sim. Infelizmente não em quantidade suficiente.

Abraço,
Angatú!

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